Há muitos anos, o João, que fazia parte de um centro nacional de treino de basquetebol, ou seja, daqueles miúdos que estavam fora de sua casa, semana após semana, entre domingo à noite e sexta feira, disse-me “sabe, é que agora, cada vez que chego a casa e vejo que tenho no frigorífico o meu iogurte preferido dou um valor que nunca tinha dado… não ao iogurte em si… mas aos meus pais, porque sei que tiveram o cuidado de o ir comprar porque sabiam que eu ia gostar”. De facto, é relativamente natural nós valorizarmos menos as coisas, ou pessoas, que temos como garantidas todos os dias.
Ocorreu-me esta história quando estive recentemente na Guarda. A cidade mais alta de Portugal acolheu as finais das taças nacionais de séniores. É uma competição que pode ser equiparada à 5ª Divisão no setor masculino e 4ª Divisão no feminino. Mas, para toda a gente envolvida no evento teve a mesma importância como se de um Campeonato do Mundo se tratasse. Inclusivamente, em dia de outras competições tidas como mais “importantes”, o próprio presidente da Federação esteve presente e entregou as respetivas Taças.
E se não houvesse transmissão televisiva? E se não houvesse speaker? E se a Federação não estivesse lá representada? Ia ser um chorrilho de lamentos e críticas… porque era um desrespeito às equipas de divisões inferiores, ou um desrespeito ao interior do país, etc, etc… Na verdade, não é bem como a lógica do copo meio cheio ou meio vazio. Primeiro, nós exigimos sempre o copo a transbordar. Depois, esperamos avidamente um copo meio vazio para criticar tudo e todos. E, quase nunca, valorizamos ou elogiamos quando as pessoas e instituições trabalham bem ou vão para além das suas obrigações ou competências.
Na mesma linha, façamos agora o transfer para as redes sociais. “Portugal falha o Europeu de 3×3”. Oportunidade fantástica para os que se julgam experts da modalidade encheram as caixas de comentários com críticas e juízos de valor, muitas vezes ofensivos. Porque quem critica uma instituição, seja o governo, uma autarquia, um sindicato, um clube ou uma federação, está a por em causa todas as pessoas que dela fazem parte, muitas vezes de forma generalizada e altamente injusta. Esse tipo de comentários normalmente são longos, cheios de análises e retrospetivas, diagnósticos, misturas demagógicas de temáticas diferentes, refletidas nos 2 minutos entre a leitura do título (às vezes nem se abre a notícia) e o teclar de soluções que outros pensaram e analisaram durante horas e dias… e talvez estejam há anos a tentar implementar, não por falta de vontade, mas por falta de condições para o fazer.
“Seleção Feminina apura-se para o Europeu 3×3”. Curiosamente, ou não, nesse dia não aparece nenhum comentário das pessoas que tinham criticado tudo e todos na notícia anterior. Reparem que as caixas de texto das mensagens de resposta são bastante mais curtas “Parabéns!” ou “Bom trabalho!”. O feito da equipa e dos seus técnicos são naturalmente valorizados, e bem. Mas é raro alguém expressar-se a valorizar a estrutura, os clubes, os dirigentes ou o basquetebol português, que foram seguramente o alvo de toda a maledicência na outra notícia de antes.
Conhecendo o João tão bem como conheci, sei que se um fim de semana chegasse a sua casa e não tivesse o seu iogurte preferido no frigorífico, ele não ia a correr reclamar com os seus pais. Primeiro, porque ele sabia que eles não deixavam de ser quem eram por aquela falha, se assim lhe quisermos chamar. Depois, porque se não compraram foi porque não tiveram tempo ou condições de o fazer, o que ele ia entender perfeitamente.
Fica a dica para pensarmos sempre um bocadinho mais antes de teclar nas caixas de comentários!