A formação de treinadores com a chancela da FIBA tem-me, de facto, proporcionado experiências ímpares em países lusófonos, e não só. O único continente que ainda não tive a oportunidade de visitar foi a Oceania. Cada curso teve as suas particularidades e muitas histórias para contar, mas nesta crónica faço apenas uma espécie de balanço geral de uma das atividades profissionais da minha vida que mais prazer me tem proporcionado.
As pessoas que só têm a experiência de viajar em modo férias, e nunca em modo trabalho, normalmente têm dificuldade em distinguir os dois. Um curso de treinadores da FIBA tem a duração de 50 horas, distribuídas por 6 dias consecutivos, sendo o instrutor o único formador… portanto é só fazer as contas. O dia típico começa com sessões práticas durante a manhã e, após a pausa para o almoço, uma sessão teórica em sala e novas sessões práticas durante a tarde no pavilhão. Além dos clinics sobre as habilidades ofensivas e defensivas dos jogadores, das estratégias e gestão dos momentos do jogo, há também aulas de planificação, métodos de ensino, preparação física, preparação psicológica e outros temas úteis à função de treinador. O curso termina com uma avaliação teórica e outra prática, numa lógica de exigência que a FIBA preconiza logo neste nível de formação inicial. Em cada curso, o máximo de candidatos à certificação é de 15 treinadores, estimulando assim a relação entre instrutor e formandos que se pretende que perdure para além do curso. E isso, felizmente, tem acontecido.
Devo dizer que me sinto envergonhado por ter alinhado no preconceito dos que me diziam “O quê? Um curso em África? Vais chegar lá e os treinadores passado três dias…”. Acreditem que a soma de atrasos nos cursos de Cabo Verde, Guiné-Bissau e Angola foi inferior a alguns cursos ministrados no nosso país. É de inteira justiça realçar o compromisso e o esforço enorme das federações desses países para que tudo corresse sempre pelo melhor. Claro que as federações são, acima de tudo, pessoas, que foram tantas que não faz sentido nomear individualmente. Na verdade, o maior atraso que alguma vez registei de um formando foi num curso no Cazaquistão (país quase do tamanho de um continente). Quando me informaram que o treinador ia chegar uma hora atrasado ao início do curso eu insurgi-me e questionei: “como é possível eu vir da Europa, de tão longe, e um treinador daqui chegar atrasado?” Ao que me responderam “é que ele está a viajar num comboio há 3 dias e 3 noites e não tinha outra forma de chegar…
Continuando a falar de pessoas, é incrível a humildade e a vontade de aprender da generalidade dos treinadores que tive a oportunidade de conhecer… algo cada vez mais raro de ver nos cursos do nosso país. Lá fora, privei com treinadores de topo dos seus países com uma postura exemplar que chega quase a ser desconcertante. A forma como aceitam diferentes visões acerca do jogo, a forma aberta como respeitam as opiniões dos outros, a forma como ajudam os seus colegas menos experientes, o seu empenho em todas as tarefas… uma verdadeira lição.
Ainda assim, não podia terminar sem uma referência aos cursos de treinadores no nosso país, que em termos de estrutura e organização nada devem à formação da FIBA. Falo com conhecimento de causa porque tenho o privilégio de colaborar com diferentes graus de formação, o que aliás me tem ajudado a evoluir enquanto treinador, formador e educador.